John Frankenheimer:
um transgressor esquecido?
Por Rafael HQ.
A história do cinema reserva espaço para cineastas com uma longa carreira e um grande número de filmes realizados. Um dos mais notáveis é Sidney Lumet, que declarou que decidia rodar um filme quando um roteiro o tocava, o que não o impedia de cometer alguns erros. John Frankenheimer foi um profícuo realizador que começou a trabalhar na década de 1950 e findou no século XXI. Realizou mais de 50 obras trabalhando com grandes nomes, belas atrizes e estrelas da geração dos anos 1960 e 1970.
Iniciou a carreira como assistente de Sidney Lumet, trabalhando no filme 12 Homens e uma sentença. Roda seu primeiro em 1956, No labirinto do vício, estrelado por James MacArthur e Kim Hunter, figuras fáceis em trabalhos televisivos. Neste período ganha experiência na televisão, meio com o qual manteria uma relação próxima durante toda sua carreira. É, contudo, na década de 1960 que vive seu período mais fecundo, realizando obras notáveis que mesclavam roteiros inteligentes e criativas soluções estéticas. Inicia os desvairados anos 60 com o filme Juventude Selvagem, inscrito na esteira de filmes que enfocavam as inquietações da juventude do Babby Boom. Esta película, estrelada por Burt Lancaster demarca uma de suas preocupações presente ao longo de sua trajetória: a relação da violência com o indivíduo. O homem de alcatraz, também estrelado por Lancaster destaca seus valores humanistas. 1962 constitui-se num ano importantíssimo para sua carreira. Depois de lançar um filme que explora os conflitos familiares, O Anjo violento, com Eve Marie Saint e Warren Beaty, vem a tona um dos filmes mais polêmicos da história do cinema: Sob o domínio do Mal. Mais que um thriller impactante, o filme expressava de forma ímpar as tensões do período de Guerra Fria, ao narrar a história de um cidadão americano que havia sofrido uma lavagem cerebral pelos coreanos com o intuito de assassinar o presidente dos EUA. Estrelado por Frank Sinatra, Janet Leigh e Laurence Harvey, o filme manteve-se no centro de uma grande polêmica quando Lee Osvald confessou ter assistido a obra diversas vezes antes do assassinato de John Kennedy (atribuído a ele). Frank Sinatra tentou retirar o filme de circulação, o que só aumentou o interesse por esta obra. Foi refilmado em 2004, mantendo a premissa central, mas abordando o conflito do Iraque.
Burt Lancaster, um parceiro notável, estrela seus filmes seguintes. Sete dias de maio enfoca novamente o poder dentro da política estadunidense. Substitui Arthur Penn em O trem, um filme brilhante que aborda os últimos momentos da dominação alemã sobre a França, na Segunda Guerra Mundial. Um oficial alemão que preservou diversas obras de arte dos museus franceses, contrariando a opinião dos superiores nazistas de que aquelas obras, nada mais eram do que uma arte degenerada, decide levar este patrimônio artístico para a Alemanha. Diversos membros da Resistência Francesa agem para impedir que o trem ultrapasse as fronteiras francesas. Uma belíssima reflexão sobre o valor da arte e sua importância na vida nas das pessoas e para a cultura de um país.
Em 1966, com Rock Hudson encabeçando o elenco, Frankenheimer produz um filme, que sem exageros, pode ser classificado como um marco na história do cinema mundial. O Segundo Rosto (Seconds no original) narra de forma inventiva e quase expressionista a história de um homem que decide mudar de vida radicalmente, realizando uma operação plástica no rosto e deixando todo seu passado para trás. Todo este processo era feito por uma empresa, que cuidava de cada detalhe para que a nova vida dos “renascidos” não fosse de encontro com sua velha existência. Refletindo sobre a relação da liberdade com a vida, a relação da essência com a aparência, e sobre qual a visão que um indivíduo tem de seu próprio passado, esta película apresenta um resultado primoroso e é capaz de desconsertar os espectadores ainda nos dias de hoje.
Com Grand Prix, abordando as corridas de Fórmula 1, inicia a abordagem dos esportes e do seu meio social. Termina a década de 1960 com três filmes: O extraordinário marinheiro, O homem de Kiev e Os pára-quedistas estão chegando.
Inicia os anos 1970 retomando os conflitos familiares com O pecado de um xerife, com Gregory Peck e a ninfeta Tuesday Weld. Em 1971 filma Os cavaleiros do Buskashi. Depois de alguns trabalhos televisivos, dirige a seqüência de Operação França, novamente estrelada por Gene Hackman. Volta a abordar o esporte, desta vez associado com o terrorismo, no impactante Domingo negro. Nos frios anos 1980, aborda o atentado sofrido por Aldo Moro em O ano da fúria, estrelado pela quente Sharon Stone em iníco de carreira. Depois de produções questionadas como Amazônia em chamas e A ilha do Dr. Moreau, termina o século XX com um bom filme de ação: Ronin, mas vem a falecer em 2002.
Frankenheimer nos brindou com uma vasta produção. Tal como os quadros, encaixotados no trem alemão, que muitos sequer conheciam, muitos filmes de Frankenheimer ainda precisam ser descobertos, pelo bem da história do cinema e dos espectadores.