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domingo, 26 de junho de 2011

Rollerball

Gladiadores de ontem, hoje e amanhã

César Almeida*

Por décadas, o cinema americano de Ficção-Científica foi dominado por leves aventuras espaciais que seguiam a tradição iniciada com os seriados dos anos 1930, protagonizados por heróis como Flash Gordon e Buck Rogers. Foi apenas a partir do fim da década de 1960 que este negligenciado gênero cinematográfico começou a abordar temáticas mais complexas, levando para as telas os questionamentos daquela inquieta geração.
Esse período, iniciado por obras como Fahrenheit 451, 2001 - Uma odisséia no espaço e O planeta dos macacos, atingiu seu momento mais sombrio e crítico entre os anos de 1971 e 1975. Em meio aos vários clássicos dessa safra (THX 1138, Corrida silenciosa, No mundo de 2020, etc...) está Rollerball - Os gladiadores do futuro, dirigido pelo bem-conceituado Norman Jewison e estrelado por James Caan.  
Embora não desfrute do prestígio adquirido por outros filmes de Ficção-Científica da época, Rollerball permanece uma obra de grande interesse por abordar a velha prática romana do panis et circenses, ou “pão e circo”, adaptando-a para o século XXI. Como se sabe, a política do “pão e circo” consiste (sim, verbo no presente) em suprir o povo de alimento e diversão para distraí-lo dos problemas diários e diminuir a insatisfação contra o governo. A obra de Jewison explora à fundo esse tema, além de analisar o gosto inerente ao ser humano pela violência.   
O roteiro de William Harrison, adaptado de um conto de sua própria autoria, apresenta um futuro distópico onde as nações ruíram economicamente e deixaram o mundo à mercê de grandes corporações empresariais. Após o caos inicial e as chamadas “Guerras Corporativas”, o mundo se estabilizou e as grandes empresas substituíram os Estados. Com o domínio das corporações veio o conforto e o luxo, mas também a perda da liberdade individual, a censura e o retrocesso cultural. No entanto, por algum motivo, o luxo não era suficiente para manter o pensamento da sociedade distante desses problemas. Sem as preocupações diárias, as pessoas começaram a prestar maior atenção aos governos. Era preciso distrair o povo. Assim surgiu o esporte rollerball.
Espécie de mistura entre rúgbi e hóquei, o rollerball foi a solução encontrada para saciar os apetites mais vorazes das massas, já que as guerras e os crimes, antes fartamente explorados pelas redes de televisão, haviam acabado.
O rollerball funcionava da seguinte forma: em uma pista circular, dois times compostos por patinadores e motociclistas disputavam a posse de uma bola de aço com objetivo de encaixá-la em uma sexta magnética. As motos puxavam e davam velocidade aos patinadores. Quando um time possuía a posse da bola e atacava, o outro fazia de tudo para impedi-lo. O contato entre jogadores era total, e não raro ocorriam mortes, encaradas com naturalidade por esportistas e platéia. Uma verdadeira arena de gladiadores futurista. E esse ultra violento esporte roubou as atenções ao redor do mundo.
 O jogo parecia cumprir com perfeição o seu objetivo, e várias cidades enviavam suas equipes para um longo campeonato mundial. No entanto, no meio de um esporte usado como demonstração de que a liberdade individual de nada valia, surgiu um herói. Jonathan E. (James Caan) se transformou no maior ídolo do rollerball. Um gladiador invencível, que liderava o seu time de forma vitoriosa contra qualquer inimigo/adversário. A idéia de que um único homem era capaz de se destacar e prevalecer naquele universo brutal podia inspirar as massas a fazer o mesmo contra o sistema. Por isso, Jonathan se tornou um perigo para as corporações.
Agora, o ídolo do povo precisava ser parado, ou melhor, vencido. E quando Jonathan percebe sua verdadeira importância, ele luta da única forma que conhece para provar que a liberdade ainda é possível: jogando.
Embora hoje datado pelo visual berrante típico dos anos 1970, Rollerball apresenta um excelente trabalho de direção do cineasta Norman Jewison. As seqüências de jogo, ponto alto do filme, são impressionantes por seu realismo brutal. Boas interpretações do elenco central dão credibilidade aos questionamentos do roteiro.
Jewison começou a carreira dirigindo comédias românticas bastante açucaradas, algumas delas estreladas por Doris Day. Determinado a fugir desse gênero pouco interessante, ele assumiu a direção de A mesa do Diabo (1965), substituindo Sam Peckinpah, que havia sido demitido. A mesa do Diabo, um drama sobre o submundo do jogo protagonizado por Steve McQueen, provou o gosto do cineasta por assuntos polêmicos. Em seguida, o diretor satirizou a paranóia da Guerra Fria em Os russos estão chegando! Os russos estão chegando!
A consagração veio com No calor da noite (1967), intenso drama policial que tinha Sidney Poitier e Rod Steiger como protagonistas. Um dos primeiros filmes hollywoodianos a abordar abertamente o racismo na sociedade americana, No calor da noite rendeu controvérsias e láureas ao diretor, incluindo o Oscar de melhor filme.
Sucessos como Crown – o magnífico (1968) e Um violinista no telhado (1971) vieram logo depois, um retorno ao lado mais comercial de Jewison. A maior polêmica de sua carreira surgiu com a adaptação do musical da Broadway Jesus Cristo Superstar (1973) para as telas do cinema. O filme enfureceu tanto judeus, que o acusaram de anti-semitismo, quanto cristãos, pela apresentação inusitada de uma história considerada sagrada.    
Dois anos mais tarde, Jewison decidiu continuar provocando controvérsia com Rollerball. Além dos temas já citados, a exploração da violência pela mídia era uma das provocações centrais da obra. Esportes violentos como o hóquei o e football são muito populares nos Estados Unidos, e eram um dos alvos das críticas do roteiro. No entanto, a moral pacifista do filme não foi muito bem compreendida por parte do público. Como já havia acontecido com Laranja Mecânica (1971), influência confessa de Jewison, cuja violência nas telas foi imitada por jovens na Inglaterra, Rollerball quase saiu da ficção para a realidade. As cenas na arena foram gravadas com uma platéia real, que para surpresa (e horror) de Jewison, acabou adorando o jogo. Isso, e o sucesso do filme, motivaram conversas absurdas sobre a criação de uma liga de rollerball. A idéia dessa liga nunca se concretizou, mas já foi suficiente para mostrar a estupidez da sociedade de espetáculo.
Essa estupidez ficou ainda mais evidente quando, quase trinta anos mais tarde, Rollerball ganhou uma nova versão pelas mãos do diretor John McTiernam. Nesse remake as conotações políticas e sociais foram deixadas de lado em favor da ação constante. Ao contrário do filme original, o Rollerball do século XXI se mostrou tão descerebrado e absurdo quanto o esporte fictício criado por Willian Harrison em 1973.
Nas décadas passadas, obras da literatura e do cinema alertaram sobre a aproximação de um futuro ameaçador para a humanidade. Hoje, não é difícil notar que nossos espetáculos de arena continuam a encantar massas cada vez mais alienadas, como acontecia a dois mil anos atrás na antiga Roma. Nosso presente está muito parecido com as previsões sombrias de autores como George Orwell e Anthony Burgess, portanto, filmes como o Rollerball de Norman Jewison continuam bastante relevantes.             

   





* Crítico de cinema. sartanawest@ig.com.br

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