O Contexto Sul-Africano e a Copa do Mundo de Rugby de 1995.
Rafael Klein
Graduando em História na UFRGS
A Copa do Mundo de Rugby, evento que reúne as melhores seleções do planeta em um único torneio, foi fundada em 1987. Antes disso, eram disputadas apenas competições locais, como, por exemplo, o Six Nations Championship (entre Inglaterra, França, Escócia, País de Gales, Irlanda e Itália). Dessa forma, até o presente, foram disputadas apenas seis edições do que hoje é o mais importante torneio de rugby, sendo que, neste ano de 2011, será disputada a sua 7a edição, na Nova Zelândia.
A primeira edição do torneio, em 1987, foi disputada na Austrália e na Nova Zelândia, tendo vencido a seleção desta última, confirmando seu retrospecto como uma das equipes mais fortes e tradicionais do rugby internacional, não ficando de fora de nenhuma semifinal do mundial até a última edição, em 2007. Atualmente, os maiores campeões mundiais, com dois títulos cada, são a Austrália (1991 e 1999) e a África do Sul (1995 e 2007), sendo que o primeiro título dos “Springboks”, apelido da equipe sul-africana, teve um significado especial, bem retratado no filme Invictus. Recém saída do regime segregacionista do Apartheid, onde havia uma institucionalização do racismo por parte do Estado, a África do Sul vivia um delicado momento de abertura, onde surgia a possibilidade de uma real independência do país.
Embora se possa dizer que o regime do Apartheid tenha sido oficializado a partir das eleições de 1948, a segregação racial e o racismo já se fazem presentes na história do país desde o século XIX, principalmente nas organizações dos colonos europeus, sobretudo os de origem holandesa, os bôeres. Com a fundação da União Sul-Africana nas primeiras décadas do século XX, são promulgadas diversas leis, com o intuito de marcar uma distinção racial e subordinar a população negra – não considerados como cidadãos, apesar de ela representar a maioria da população. Entre elas figurava, por exemplo, a Native Labor Act (1911), que determinava as condições de trabalho para os negros, proibindo greves e a quebra de contratos, e a Native Land Act (1913), que dividiu o país em áreas que podiam ser propriedade de brancos e aquelas que podiam ser de negros, as quais inicialmente representavam apenas 7,3% do território.
A partir de 1948, o Partido Nacional, representante do interesse dos setores africânderes (de origem bôer), o qual experimentou uma crescente radicalização da proposta segregacionista desde a década de 20, em parte como reação ao surgimento das primeiras organizações negras anti-racistas, passa a tornar tarefa do Estado a institucionalização e formalização legal e prática do “desenvolvimento separado” (Apartheid, em africânder). Entre as medidas tomadas pelo governo durante o regime, pode-se destacar, por exemplo, a proibição de pessoas de determinadas raças viverem em algumas áreas urbanas (1950), a proibição de relações sexuais “inter-raciais” (1950) e a proibição de pessoas de diferentes raças de freqüentarem os mesmos lugares públicos (1953).
As medidas discriminatórias, no entanto, não foram aceitas passivamente. Os setores negros da sociedade sul-africana realizaram diversas greves e manifestações ao longo das décadas de 1950-60, visando a criação de um Estado multirracial na África do Sul. Entre esses grupos figurava o ANC (Congresso Nacional Africano), o qual tinha Nelson Mandela como uma das principais lideranças. Mandela, preso em 1962 por incitar greves, foi condenado em 1967 à prisão perpétua, tornando-se o símbolo da luta contra o Apartheid ao redor do mundo. Em 1990, teve sua liberdade restaurada pelo então presidente Frederik Willem de Klerk, devido à extensa campanha da ANC e à pressão internacional, tornando-se o presidente da África do Sul, em 1994, após as primeiras eleições democráticas multirraciais do país.
Neste contexto de início de uma abertura democrática, Mandela buscou tomar atitudes que fossem em direção a uma reconciliação entre os grupos negros e os brancos africânderes. O filme Invictus nos apresenta justamente essa atmosfera dos anos de 1994-95, onde, em uma das tentativas de aproximação dos grupos étnicos sul-africanos, o presidente Mandela dá apoio à participação dos “Springboks” na Copa do Mundo de Rugby, primeiro evento esportivo internacional sediado na África do Sul após o fim do boicote internacional ao regime do Apartheid, que excluía a participação do país neste tipo de eventos.
É importante ter em mente que a prática e as organizações esportivas no Apartheid eram mais uma face discriminatória do governo segregacionista, sendo o rugby o esporte branco por excelência e o futebol o esporte dos negros. Assim, os grupos negros em geral ou não se interessavam pelo rugby ou o odiavam, torcendo contra a seleção nacional. Mandela tenta romper mais essa barreira ao dar apoio público aos “Springboks”. A final da Copa do Mundo, realizada no Estádio Ellis Park, em Joanesburgo, contra a temível esquadra dos “All Blacks” da Nova Zelândia – grande potência do rugby mundial e franca favorita ao título – que contava com o extraordinário Jonah Lomu, eleito o melhor jogador daquele torneio (e para muitos um dos melhores jogadores de rugby de todos os tempos), impressionantemente vencida pelos “Springboks” veio para coroar o projeto de união do país em torno da torcida pela seleção nacional, consagrando figuras até hoje ídolos do rugby sul-africano, como François Pienaar, Joost van der Westhuizen, Joel Stransky e o negro Chester Williams.
A entrega da Taça Webb Ellis ao capitão de origem africânder François Pienaar pelo presidente Nelson Mandela dá o toque final de dramaticidade necessário à transformação dessa história em livro e em roteiro de filme. Para quem gosta da temática história e esporte, Invictus é realmente um filme indispensável.
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