Fotos

domingo, 19 de junho de 2011

Eric Cantona e Ken Loach

Eric Cantona: de “l’enfant terrible” a rei de Old Trafford

Rafael Belló Klein*

Quando o Manchester United acertou a transferência de Éric Cantona junto ao Leeds United, em dezembro de 1992, não havia como saber que acabava de ser contratado um dos jogadores mais importantes da história do clube, que desempenharia um papel fundamental dentro e fora dos gramados nos próximos cinco anos atuando pelos “Red Devils”. Sabia-se, no entanto, que se tratava de um jogador extremamente talentoso e ao mesmo tempo extremamente polêmico, que possuía o potencial para tornar-se um grande nome do futebol inglês, por ambas as características, como de fato se verificou nas temporadas subsequentes.
            Cantona começou a sua carreira como jogador profissional no Auxerre, da França, seu país natal, em 1983, vindo das categorias de base do clube.  Seu talento, no entanto, começou a ganhar maior destaque a partir da temporada de 1986-87, após a sua volta do empréstimo, no qual passou uma temporada no pequeno Martigues. Nessa época, suas boas atuações pelo Auxerre lhe renderam a primeira convocação para a Seleção Francesa, com a qual acabou vencendo o Campeonato Europeu Sub-21 de 1988. Por outro lado, seus problemas extracampo também começaram a se notabilizar em 1987. Cantona envolveu-se em um incidente no qual agrediu seu companheiro de equipe, Bruno Martini, goleiro de relativo sucesso, sendo integrante frequente das convocações para os Les Bleus entre 1987 e 1996. Já em seu início de carreira começava a ganhar a fama de “bad boy”, ou, como seus conterrâneos o chamavam, “l’enfant terrible”.
            Apesar de ter sido multado pela agressão ao companheiro, de outras atitudes polêmicas e do seu comportamento violento dentro de campo, Cantona atraiu o interesse de outros clubes, sendo contratado pelo Olympique de Marselha. Cantona teve dificuldades em adaptar-se a Marselha e os incidentes continuaram a aparecer. Em 1989 vieram mais duas punições graves. Primeiro, por insultar o técnico da Seleção Francesa na televisão, ele foi banido de partidas internacionais por um ano; e, a seguir, foi suspenso por seu clube por seis meses após irritar-se ao ser substituído e chutar a bola contra a torcida.
            O talento de Cantona, bem como seu comportamento impulsivo e agressivo, continuava a surpreender. Nas temporadas subsequentes, transferiu-se por meio de empréstimos para o Bordeaux e depois para o Montpellier, nos quais teve passagens apagadas, mas conturbadas, especialmente no último, no qual se envolveu em um briga com um companheiro, atirando suas chuteiras nele; episódio que acabou dividindo a opinião do vestiário acerca de seu comportamento e culminou em mais uma suspensão.
            Sua volta para o Olympique foi marcada por constantes desentendimentos com o treinador e com a comissão técnica e com os dirigentes. Apesar disso, suas atuações ajudaram a levar o Marselha ao título do campeonato, fato que não impediu sua ida ao pequeno Nîmes devido aos referidos desentendimentos.
            A continuidade dos incidentes envolvendo Cantona, mesmo no Nîmes o levaram a decidir-se pela aposentadoria precoce, em dezembro de 1991. Parecia que a carreira promissora daquele jovem talentoso, mas instável, chegaria ao fim com um grande fracasso. Entretanto, havia ainda quem acreditasse no jogador. Entre essas pessoas estava ninguém menos que o craque francês Michel Platini e o técnico Gérard Houllier, que o aconselhou a tentar um recomeço em outro país.
            Na metade da temporada de 1991-1992, o Leeds United anunciou a contratação de Éric Cantona. Apesar de disputar apenas 15 partidas pelo clube, as grandes atuações de Cantona foram fundamentais para que o Leeds conquistasse o título do Campeonato Inglês, formando uma grande dupla de ataque com o artilheiro Lee Chapman. Com isso, Cantona obteve a adoração dos fãs, bem como a atenção do poderoso Manchester United, rival do Leeds e vice-campeão naquele ano, e que conseguiu negociar com o Leeds a sua contratação no meio da temporada seguinte.
            Em Old Trafford, o brilhantismo de Éric Cantona atingiu seu ápice e juntamente com um elenco qualificado, que contava com importantes jogadores, como Peter Schmeichel, Denis Irwin, Gary Neville, Ryan Giggs, Paul Ince e Mark Hughes, conquistou o primeiro título do Campeonato Inglês para os “Red Devils”, desde 1967. Na temporada seguinte, seu talento continuou a fazer a diferença, o que culminou com a conquista do Double, o bicampeonato inglês.
            Porém, na sua terceira temporada com o Manchester United, em janeiro de 1995, Cantona acabou sendo expulso em uma partida contra o Crystal Palace. Seria um fato até corriqueiro na sua conturbada carreira. No entanto, quando saía lentamente de campo, Cantona, ao ouvir os xingamentos que lhe eram dirigidos por um torcedor, acabou por lançar-se com uma voadora, em estilo kung-fu, atingindo-o em cheio. O fato repercutiu enormemente na imprensa internacional, principalmente após a coletiva de impressa convocada após o incidente. Calmamente, Cantona chega, senta-se e pausadamente pronuncia talvez a sua mais conhecida frase: “Quando as gaivotas seguem o navio pesqueiro, é porque elas pensam que sardinhas serão jogadas ao mar. Muito obrigado.” A seguir, levanta-se e deixa a sala. Essa frase foi interpretada como uma crítica à imprensa, que, segundo ele, monitorava todas as suas ações.
            Cantona acabou sendo preso e condenado por agressão, pegando uma pena de duas semanas de prisão, que acabaram atenuadas para serviço comunitário. No entanto, Cantona foi suspenso pelo restante da temporada, o que custou ao clube o terceiro campeonato seguido, visto que, sem o craque, o time acabou por perder muito de sua criatividade e eficiência ofensiva.
            Mesmo com esse grave episódio, Éric Cantona mostrou que não perdeu sua genialidade, conquistando junto com o Manchester mais um bicampeonato nas temporadas de 1995-96 e 1996-97. Cantona havia se tornado o rei de Manchester, aclamado pela torcida. Aos olhos dos torcedores, sua grande habilidade sobressaía-se a sua personalidade criticada pela imprensa; basta assistir a algum vídeo de suas jogadas e seus gols para perceber o porquê. Sua carreira, no entanto, foi levada a um precoce fim (desta vez, definitivo) quando soube que não iria ser convocado para a Copa do Mundo de 1998, dado seu comportamento. Cantona marcou, oficialmente, 131 gols em sua carreira; 64 deles com o Manchester United.
            Em À procura de Eric, fica demonstrada a incrível força que o ídolo de uma torcida tem sobre a vida de seus fãs. Quando a situação na complicada vida do carteiro Eric Bishop fica ainda mais turbulenta, quem o auxilia, o motiva e o aconselha, frente a seus problemas pessoais é o seu homônimo, ninguém menos que o maior jogador da história do seu clube de coração, Éric Cantona. É pelo amor ao time, pela adoração ao ídolo máximo, que se reúne o grupo de amigos para resolver a situação aparentemente sem saída. Em uma solução cômica, beirando o impossível e o implausível, uma ação inspirada pelo craque, herói da torcida, transparece toda a importância e todo significado que um clube e seus jogadores adquirem para o torcedor e para seu imaginário. Por mais clichê que pareça, é, no entanto, verdade que o esporte, especialmente o futebol, contribui para amenizar as dificuldades da vida dos homens comuns, daqueles mortais que podem apenas sonhar em possuir a capacidade de fazer magia com seus pés, que é dada apenas a alguns poucos deuses em forma humana.


* Graduando em História pela UFRGS. rb-klein@uol.com.br

O cinema de Ken Loach











Nenhum comentário: